Esta é uma arte desafiadora e fascinante que permite a construção de universos os mais cativantes para leitores e leitoras explorarem. Ou para espectadoras e espectadores explorarem, os princípios são os mesmos. Neste artigo, quero te mostrar algumas das técnicas literárias, utilizadas pelos escritores e escritoras contemporâneas, para a construção de mundos ficcionais ricos e envolventes.
Podemos resumir a construção de mundos nos seguintes passos:
- Estabeleça o gênero e o tom do seu mundo: O gênero é a forma como você escolhe contar a sua história, usando elementos como estilo, linguagem, estrutura e convenções. O tom é a atitude emocional que você quer transmitir com a sua história, usando elementos como humor, ironia, sarcasmo e emoção. O gênero e o tom devem estar claros desde o início da sua história, para que o leitor saiba o que esperar e como se envolver com o seu mundo.
- Defina o contexto e o conflito do seu mundo: O contexto é o conjunto de circunstâncias que moldam o seu mundo, como tempo, lugar, cultura, história, política, religião e tecnologia. O conflito é o motor da sua história, que cria tensão, obstáculos e desafios para os seus personagens. O contexto e o conflito devem estar relacionados entre si, de forma que o seu mundo seja coerente e lógico.
- Crie um sistema de valores para o seu mundo: O sistema de valores é o conjunto de crenças, normas e princípios que regem o comportamento dos seus personagens e da sociedade em geral. O sistema de valores deve refletir o tema da sua história, que é a mensagem ou a ideia central que você quer comunicar com a sua obra. O sistema de valores deve ser contrastante, de forma que haja diferentes pontos de vista e conflitos morais entre os seus personagens.
- Desenvolva uma mitologia para o seu mundo: A mitologia é o conjunto de histórias, lendas e símbolos que explicam a origem e o funcionamento do seu mundo. A mitologia pode incluir elementos como magia, sobrenatural, fantástico ou científico. A mitologia deve ser criativa, de forma que você crie um mundo único e original.
Mas eu e você vamos além. Vamos mergulhar um pouco mais fundo nos detalhes desse intenso processo criativo, pois nossos mundos precisam transpirar Vida!
Nos detalhes
Um dos elementos-chave na criação de mundos é o detalhamento minucioso. Autores e autoras talentosas têm a capacidade de criar cenários e ambientes tão detalhados que os leitores sentem que estão verdadeiramente imersos naquele universo. Um exemplo notável dessa técnica é encontrado na obra “Harry Potter e a Pedra Filosofal“, de J.K. Rowling. Posicionamentos questionáveis da escritora à parte, de fato a autora constrói o mundo mágico de Hogwarts de forma tão realista que é fácil para suas leitoras e leitores se imaginarem estudando em uma escola de bruxaria, vivenciando as aulas e enfrentando os desafios ao lado do jovem bruxo.
Como alcançar essa proficiência? Bom, existem duas abordagens principais para a criação de mundos:
- A abordagem de cima para baixo ou de fora para dentro, que começa com uma visão geral do mundo e determina suas características de alto nível, como história, geografia, clima e assim por diante, até chegar ao ponto no espaço-tempo de seu mundo onde sua trama acontece;
- A abordagem de baixo para cima ou de dentro para fora, que começa com o desenvolvimento de uma pequena parte do mundo que é mais relevante para a sua história e depois constrói os demais elementos do mundo, muitas vezes fazendo isso na improvisação, em “tempo de voo”, ou enquanto a história é contada. Acho que essa é minha abordagem predileta, pois desenvolvi minha escrita criativa à partir de mestrar jogos de RPG, onde o improviso é parte essencial da trama.
Use a que lhe for mais conveniente, mas neste artigo eu vou partir do pressuposto que você pretende adotar a abordagem de cima para baixo, e detalhar ao máximo possível os mundos que você cria, começando pelo nome.
Como é o nome e o tipo daquele lugar?
Defina o nome e o cenário do seu mundo: O nome do seu mundo pode ser algo simples ou complexo, mas deve refletir o tom e o tema da sua história. Por exemplo, Discworld, Terra Média, Zamonia são nomes que sugerem mundos fantásticos e/ou divertidos, enquanto Arrakis, Trantor, Solaris são nomes que evocam mundos mais sérios e científicos. Você pode, também, relacionar o nome de seu mundo a um conceito antigo de seus habitantes, veja, o nosso planeta era chamado de Gaia pelos gregos, nome da deusa da terra, companheira de Urano, o deus do céu, e em algum momento pouco preciso da nossa História, nosso mundo começou a ser chamado de Terra, derivado de palavras de origem inglesa e germânica que mantêm ainda hoje, na maioria das línguas, significados como chão, solo, território, região de origem e nação, ou seja, o conceito de “lugar onde eu vivo” para primatas terrestres feito nós.
Vai pensando no nome, mas antes de começar a trabalhar na história do seu mundo, é essencial saber se sua trama se passará em nosso próprio mundo ou em um mundo totalmente diferente do nosso, para isso defina o tipo de mundo criado, que pode ser classificado em duas categorias básicas, os mundos inventados (alguns chamam de secundários ou segundos mundos) ou mundos derivados (às vezes conhecidos como terrestres ou tipo Terra).
Os mundos inventados são aqueles que são completamente criados pela autora ou autor, sem relação com o nosso mundo real. Eles permitem uma maior liberdade criativa, mas também exigem mais trabalho de criação e explicação. Alguns exemplos de mundos inventados são o de George R.R. Martin em A Song of Ice and Fire e Raymond E. Feist em Riftwar.
Os mundos derivados são aqueles que se baseiam no nosso mundo real, mas com alguma alteração ou diferença, lembrando que qualquer mundo literário, mesmo cem por cento baseado no mundo real, não é, por definição, real. Parece óbvio, mas todo mundo e personagem literário é um símbolo representativo de lugares e pessoas reais, quem escreve precisa ter isso em mente, o que pertence ao literário tem suas próprias regras e liberdades. Os mundos derivados podem ser ambientados no passado, no presente ou no futuro, mas sempre com algum elemento de ficção científica ou fantasia. Eles requerem menos invenção, mas mais pesquisa e coerência com a realidade. Alguns exemplos de mundos derivados (embora claramente fictícios) são os de Isaac Asimov em Fundação e de Philip K. Dick em O Homem do Castelo Alto.
Tem um mapa daquele lugar?
Pode ser legal criar um mapa do território: esse mapa pode ajudar a visualizar o mundo que você está criando e fornecer uma referência útil para os leitores. pode mostrar as fronteiras políticas, as características geográficas, os recursos naturais, os pontos de interesse, as rotas comerciais, os conflitos e as alianças entre os povos do seu mundo. Obras de ficção científica que se passam em vários planetas, claro, podem precisar de vários mapas, inclusive mapas estelares, que demarcam a posição das estrelas em torno das quais os mundos de sua obra FC orbitam. Mapas estelares, normalmente, têm as posições de estrelas demarcadas em relação ao plano e núcleo da galáxia que as hospeda. Mas aqui, neste artigo, vamos prosseguir focados no mapa de um único mundo literário, e este mapa não precisa ser detalhado ou realista, mas deve ser consistente e lógico. Você pode usar programas de computador ou desenhá-lo à mão, mas lembre-se de seguir algumas regras básicas de geografia e cartografia:
- Os continentes tendem a ter formas irregulares e recortadas, não circulares ou quadradas;
- As montanhas costumam se formar em cadeias ou cordilheiras, não isoladas ou espalhadas;
- Os rios costumam nascer nas montanhas e desaguar no mar ou em lagos, não ao contrário;
- Os climas costumam variar de acordo com a latitude, a altitude e a proximidade com o mar ou com desertos;
- As culturas costumam se desenvolver em função do ambiente natural, dos recursos disponíveis e das relações com outras culturas.
Como é a gente daquele lugar?
Povoe o mundo com pessoas: pense nas muitas raças, culturas e sociedades que habitam o seu mundo. Como eles interagem uns com os outros? Quais são suas crenças e valores? Essas gentes são as protagonistas das suas histórias e os habitantes do seu mundo, e devem ser interessantes, variadas e verossímeis. Você pode criar diferentes raças, etnias, línguas, religiões, costumes e valores para essas pessoas, mas deve ter cuidado para não cair em estereótipos ou clichês.
Escrevi um artigo sobre técnicas para criação de personagens que certamente pode lhe interessar. Mas a seguir, de todo modo, vou sugerir dicas um pouco mais relacionadas a criação de sociedades, de pequenos a grandes grupos de pessoas, enquanto o artigo que mencionei acima focaliza o indivíduo.
Uma forma de criar pessoas críveis é basear-se em exemplos reais ou históricos, mas adaptando-os ao seu contexto e ao seu propósito. Você pode se inspirar em civilizações antigas (vai-te embora pra Pasárgada, lá tu és amizade do rei 😉), em povos indígenas, em grupos étnicos minoritários, em movimentos sociais ou em personalidades famosas. Mas lembre-se de que as pessoas não são homogêneas ou estáticas, elas são complexas e dinâmicas. Elas mudam ao longo do tempo, influenciam e são influenciadas pelo ambiente, pela tecnologia, pela política e pela cultura umas das outras.
A representação adequada e inclusiva da diversidade cultural e social é uma técnica literária crucial para a criação de mundos realistas e autênticos. Nnedi Okorafor, em “Quem Teme a Morte?“, apresenta um mundo pós-apocalíptico na Nigéria, infundido com a rica cultura e mitologia africana. Ao fazer isso, Okorafor oferece aos leitores uma perspectiva alternativa e enriquecedora, destacando a importância da representação da diversidade em universos fictícios.
No entanto, introduzir essa diversidade em mundos e obras de ficção não é uma tarefa simples, pois requer pesquisa, respeito e sensibilidade por parte de autoras e autores.
Veja algumas ações para você construir mundos ficcionais que valorizem a diversidade sem cair em estereótipos ou apropriações culturais:
- Pesquise sobre as culturas e grupos sociais que você quer retratar. Não se baseie apenas em fontes superficiais ou preconceituosas, mas busque conhecer a história, os valores, as tradições e os desafios dessas pessoas. Procure também ler obras de autores que pertencem ou estão próximos dessas culturas e grupos, para ter uma visão mais autêntica e diversa;
- Crie personagens complexos e tridimensionais. Evite retratar as pessoas de seu mundo como caricaturas ou representantes de uma única característica. Lembre-se de que cada indivíduo é único e tem sua própria personalidade, motivações, conflitos e sonhos. Não reduza seus personagens a rótulos ou clichês, mas dê-lhes profundidade e humanidade;
- Respeite as diferenças e evite o julgamento. Não imponha sua visão de mundo ou seus valores, procure compreender as perspectivas e sentimentos de quem é diferente de você e deixe-as existir com dignidade e respeito em seu mundo. Não faça piadas ou críticas ofensivas sobre as culturas ou grupos sociais que você retrata, mas reconheça sua importância e contribuição para a sociedade. Não ignore ou minimize os problemas ou as opressões que essas pessoas enfrentam, mas mostre sua resistência e esperança;
- Seja honesta(o) e humilde. Reconheça seus limites e possíveis erros ao escrever sobre culturas ou grupos sociais diferentes dos seus. Não se aproprie de elementos culturais que não lhe pertencem ou que tenham um significado sagrado ou simbólico para outras pessoas. Não fale por aqueles que têm menos voz ou espaço na literatura, mas dê-lhes oportunidade de se expressarem. Não se considere uma especialista ou um salvador, mas uma aprendiz e um aliado;
- Celebre a diversidade e incentive o diálogo. Sempre bom dizer, mostre que a diversidade é uma riqueza e uma fonte de inspiração para a literatura. Apresente as semelhanças e as diferenças entre as culturas e os grupos sociais como algo positivo e enriquecedor. Em todos os mundos criados haverá conflito, claro, e diferenças, preconceitos, lutas de classe, armadas, mas retrate tudo isso sob uma ótica que promova a curiosidade, a empatia e o respeito em quem lê as histórias do seu mundo por aqueles que são oprimidos.
Qual a História daquele lugar?
Elabore a História da sua civilização, ela é o que dá sentido e profundidade ao seu mundo. Ela mostra como o seu mundo chegou ao estado atual, quais foram os eventos (guerras, revoluções e descobertas tecnológicas, etc.) e especificamente os personagens históricos (rainhas e reis conquistadores, usurpadores, exploradoras e descobridores, cientistas e inventoras, mártires e demais pessoas que viraram lendas, etc.) mais importantes, quais são os conflitos e os desafios atuais e quais são as expectativas e as aspirações para o futuro.
Se o seu mundo é do tipo inventado, você pode criar uma História completamente original, mas deve seguir uma lógica interna e uma cronologia consistente. Se o seu mundo é do tipo derivado, você pode alterar ou reinventar alguns fatos históricos, mas deve respeitar os limites da plausibilidade e da credibilidade.
Pausa, para uma dica sobre criar uma História envolvente e exibi-la de forma cativante em sua trama: use a técnica do iceberg: mostre apenas a parte visível da História, aquela que é relevante para a sua trama e para os seus personagens, mas deixe implícito que há muito mais por baixo da superfície, que pode ser explorado ou revelado posteriormente. Isso cria um senso de mistério e de curiosidade no leitor. Por exemplo, um cataclismo destruiu todos os arquivos de memória dos povos de seu mundo, mas esses arquivos podem ter cópias completas ou parciais, escondidas em algum ponto remoto, prestes a mudarem tudo o que as pessoas de seu mundo acreditam com relação ao passado delas.
Agora, retomando, vamos ver alguns detalhes do processo de construção histórica de mundos ficcionais:
- Comece com a origem: a origem da sua civilização é um bom ponto de partida para a sua história. Considere como e onde sua civilização surgiu e quais foram os eventos que levaram à sua formação;
- Desenvolva a linha do tempo: crie uma linha do tempo que mostre os principais eventos e marcos da história do seu mundo. Isso pode incluir guerras, revoluções, descobertas tecnológicas e mudanças sociais;
- Inclua personagens importantes: personagens importantes, como líderes, heróis e vilões, podem ajudar a dar vida à História do seu mundo. Inclua personagens que desempenharam papéis importantes na História da sua civilização;
- Adicione detalhes culturais: detalhes culturais, como arte, música, literatura e religião, podem ajudar a enriquecer a história da sua civilização. Considere incluir detalhes sobre como esses elementos evoluíram ao longo do tempo. Perto do final desse artigo voltaremos a falar em Cultura;
- Crie a(s) língua(s) falada(s) em seu mundo: uma língua ficcional completa, claro, não é essencial, às vezes nós precisamos apenas que certos termos indiquem que nosso mundo contém outras línguas, e geralmente quem lê nossas obras assume que os personagens daquele mundo ou estão falando alguma língua mais ou menos padrão, como é o inglês em nosso mundo real, ou que os personagens estão falando a língua do local em que estão no momento, tudo isso traduzido automaticamente pelo narrador de nossas histórias. Um excelente exemplo de vocabulário parcial, mas muito bem estruturado é a construção do glossário de gírias marcianas que a autor Tadeu Loppara fez e utiliza no decorrer do seu livro Quãm e os Indícios Mortais, que recomendo. Mas às vezes é necessário construir uma língua completa para dar profundidade a um povo e sua cultura em nossos mundos fictícios, para isso aqui vão umas dicas (você vai precisar pesquisa mais sobre criação de línguas, além do que cabe neste artigo, mas já vai saber por onde começar):
- Defina o objetivo e o público da sua língua fictícia. Você quer que a sua língua seja apenas um elemento decorativo ou que tenha uma função narrativa? Quer que a sua língua seja falada por uma raça alienígena, por uma tribo antiga ou por uma sociedade futurista? Quer que a sua língua seja baseada em alguma língua real ou totalmente inventada? Essas perguntas vão ajudar a delimitar o escopo e o nível de complexidade da sua língua fictícia;
- Estude os princípios básicos da linguística, a ciência que estuda as línguas humanas. Lembrando que alguns itens aqui só se aplicam se sua língua ficcional for falada por meio de vibrações aéreas; em meus livros de ficção científica, poucas espécies além dos humanos usam o som audível por nós para se comunicar, muitas sequer usam qualquer tipo de som. Então, a linguística abrange vários aspectos das línguas, como a fonética (os sons), a fonologia (o sistema sonoro, como se comportam os sons em uma língua), a morfologia (a estrutura das palavras), a sintaxe (a ordem das palavras), a semântica (o significado das palavras) e a pragmática (o uso das palavras). Cada língua tem suas próprias regras e padrões para esses aspectos, e é importante conhecer as possibilidades e as limitações que existem nas línguas reais para criar uma língua fictícia verossímil e interessante;
- Escolha os elementos que vão compor a sua língua fictícia. Você pode começar pela fonética, decidindo quais sons vão fazer parte do seu alfabeto fonético. Use os sons do português ou de outras línguas que você conhece, ou inventar novos sons. Crie um alfabeto escrito para representar os sons da sua língua, usando letras, símbolos ou desenhos. Depois, defina a fonologia, ou seja, como os sons se combinam para formar sílabas e palavras. Estabeleça regras de harmonia, de acentuação, de aliteração ou de rimas, por exemplo. Em seguida, crie a morfologia, determinando como as palavras se formam e se modificam. Use processos como prefixação, sufixação, composição, derivação ou flexão, por exemplo. Crie as classes gramaticais das palavras, como substantivos, verbos, adjetivos, etc. Em seguida elabore a sintaxe, estipulando como as palavras se organizam para formar frases. Defina a ordem das palavras nas orações principais e nas subordinadas, o uso de preposições, conjunções e pronomes, a concordância entre sujeito e verbo, etc. Por fim, desenvolva a semântica e a pragmática da sua língua fictícia, atribuindo significados às palavras e às frases e definindo o contexto e o propósito da comunicação. Crie um vocabulário próprio para a sua língua fictícia ou usar palavras emprestadas de outras línguas. Também é possível criar expressões idiomáticas, provérbios, gírias ou metáforas;
- Teste e revise a sua nova língua. Traduza textos de outras línguas para a sua língua fictícia ou escrever textos originais na sua língua fictícia. Tente falar ou cantar na sua língua fictícia ou ensiná-la para outras pessoas. Verifique se a sua língua fictícia é consistente, lógica e criativa. Faça ajustes ou mudanças na sua língua fictícia conforme for necessário.
- Use conflitos para impulsionar a história: Conflitos, seja entre diferentes grupos dentro da sua civilização ou com outras civilizações, podem ajudar a impulsionar a história da sua civilização. Considere incluir conflitos que moldaram a história do seu mundo;
- Crie sistemas de tecnologia e magia: Se o seu mundo inclui magia ou tecnologia avançada, pense em como esses elementos funcionam e como eles afetam a sociedade. Pontos principais a se considerar:
- A tecnologia e a magia são os elementos que diferenciam a ficção científica (tecnologia) da fantasia (magia), mas também podem se misturar ou se complementar, você tem liberdade criativa para isso;
- Elas são os recursos que permitem aos personagens realizar feitos extraordinários, mas também podem gerar problemas ou dilemas éticos;
- A tecnologia e a magia do seu mundo devem ser compatíveis com o seu nível de desenvolvimento e com o seu estilo narrativo de suas histórias:
- Se o seu mundo é mais realista ou científico, você deve basear-se em teorias ou descobertas científicas atuais ou plausíveis, mas sem entrar em detalhes técnicos excessivos ou incompreensíveis;
- Se o seu mundo é mais fantástico ou mágico, você pode inventar regras ou princípios próprios para a sua magia, mas sem abusar do deus ex machina ou da solução fácil, a mágica deve ser poderosa, mas não onipotente, ou o tédio reinará;
- Sendo assim, uma boa dica para criar sistemas de tecnologia e magia interessantes é definir os seus limites e as suas consequências. Você deve estabelecer o que é possível e o que é impossível fazer com a tecnologia ou com a magia no seu mundo, quais são os custos e os riscos envolvidos, quais são as vantagens e as desvantagens de usá-las, quais são as implicações sociais, políticas, econômicas e ambientais delas;
- Distribua recursos com uma economia funcional: Como os recursos são distribuídos em seu mundo? Quem tem acesso a eles? Como isso afeta as relações entre as diferentes sociedades? A economia é o que determina como as pessoas do seu mundo produzem, distribuem e consomem bens e serviços. Ela reflete as necessidades, as preferências e as capacidades das pessoas, bem como as relações de poder e de conflito entre elas. Pontos principais a se considerar:
- Crie uma economia funcional definindo os recursos escassos e valiosos do seu mundo. Você deve decidir quais são os bens materiais ou imateriais que as pessoas do seu mundo desejam ou necessitam, quais são as fontes ou os meios de obtê-los, quais são os custos, que pessoas, entidades, empreendimentos ou sociedades/nações têm maior ou menor acesso a estes recursos, e quais têm maior ou menor poder (mágico, tecnológico, bélico) de obtê-los e comercializá-los;
- A economia do seu mundo deve ser adequada ao seu grau de complexidade e ao seu cenário histórico:
- Se o seu mundo é mais simples ou primitivo, você pode usar sistemas econômicos baseados na troca direta, o escambo, aplicado na subsistência de indivíduos ou na coletividade de clãs ou tribos;
- Se o seu mundo é mais complexo ou avançado, você pode usar sistemas econômicos baseados na moeda, no mercado ou na tecnologia;
- Se o seu mundo existe em um cenário de ficção científica futurista, você deve considerar estruturas econômicas que se diferenciem do acúmulo clássico (e muito predatório, ainda hoje) de capital e do crescimento econômico sem limitações éticas, ambientais e técnicas por meio de regulamentações claras. Um exemplo real de economia alternativa e possivelmente mais saudável e evoluída é a Economia Circular, os estudos sobre esses cenários descrevem uma economia que se concentra em satisfazer as necessidades humanas básicas, como alimentação, moradia e saúde, sem prejudicar o meio ambiente. Em vez de depender do crescimento econômico constante, a economia circular busca manter um equilíbrio saudável entre o desenvolvimento econômico, o bem-estar social e a proteção ambiental. O mundo em que ocorre minha série de ficção C7i tem uma estrutura econômica baseada nas regras da economia circular, e pretendo escrever um artigo no futuro, detalhando isso;
- Determine a estrutura de poder do seu mundo: as estruturas de poder são as formas como as pessoas ou grupos exercem autoridade, influência e controle sobre os recursos e as decisões em seu mundo. As estruturas de poder podem ser políticas, econômicas, sociais, culturais, religiosas ou militares. Elas podem ser baseadas em hierarquias, redes, alianças, conflitos ou cooperação. Elas podem ser estáveis ou dinâmicas, justas ou injustas, abertas ou secretas. Para construir estruturas de poder ficcionais convincentes e imersivas, é preciso levar em conta alguns aspectos:
- A origem e a legitimidade das estruturas de poder. Como elas surgiram? Quem as criou? Quem as mantém? Quem as reconhece? Quem as contesta?
- A distribuição e a diversidade das estruturas de poder. Como elas se espalham pelo mundo? Quão homogêneas ou heterogêneas elas são? Quais são as diferenças e as semelhanças entre elas?
- A dinâmica e a complexidade das estruturas de poder. Como elas interagem entre si? Quais são os conflitos e as alianças entre elas? Quais são os desafios e as oportunidades que elas enfrentam? Quais são as mudanças e as continuidades que elas experimentam?
- A influência e o impacto das estruturas de poder. Como elas afetam o mundo e os personagens? Quais são os benefícios e os custos de pertencer ou se opor a elas? Quais são as regras e as normas que elas impõem ou permitem? Quais são as resistências e as subversões que elas provocam ou sofrem?
Quais os mitos daquele lugar?
A mitologia é um conjunto de histórias, símbolos e crenças que expressam a visão de mundo, a cultura e os valores de um povo ou de uma civilização. A mitologia pode ser uma fonte de inspiração e de enriquecimento para os escritores que desejam criar mundos literários originais, complexos e verossímeis.
Aqui estão algumas dicas para ajudá-lo a criar uma mitologia interessante e envolvente para o seu mundo:
Mitologia: escopo e propósito
Antes de começar a inventar histórias e personagens mitológicos, é importante definir o escopo e o propósito da sua mitologia.
O escopo se refere à abrangência e à profundidade da sua mitologia: ela vai cobrir toda a história e a geografia do seu mundo, ou apenas uma parte dele? Ela vai explicar a origem e o funcionamento do universo, ou apenas alguns aspectos dele? Ela vai envolver muitos deuses, heróis e monstros, ou apenas alguns?
O propósito se refere à função e à relevância da sua mitologia: ela vai influenciar a trama e os personagens principais, ou apenas servir de pano de fundo? Ela vai refletir ou questionar os temas e os conflitos do seu livro, ou apenas ilustrá-los?
Não há uma resposta certa ou errada para essas questões, mas é importante ter clareza sobre elas para evitar inconsistências, contradições ou excessos na sua mitologia. Você pode se basear em exemplos de mitologias reais ou fictícias para ter uma ideia do escopo e do propósito que deseja dar à sua. Por exemplo, a mitologia grega tem um escopo amplo e diversificado, abrangendo desde a criação do mundo até as aventuras dos heróis, e um propósito relevante, pois influenciava diretamente a cultura, a política e a religião dos gregos antigos. Já a mitologia nórdica tem um escopo mais restrito e focado, centrado nos deuses do panteão nórdico e no destino final do mundo (o Ragnarök), e um propósito mais ilustrativo, pois serve principalmente para dar contexto histórico e cultural aos povos nórdicos.
Mitologia: cosmogonia e cosmologia
A cosmogonia é a narrativa que explica a origem do universo, dos deuses, dos seres vivos e dos elementos naturais.
A cosmologia é o estudo da estrutura, da natureza e das leis do universo.
Criar uma cosmogonia e uma cosmologia para o seu mundo é uma forma de dar consistência, coerência e credibilidade à sua mitologia. Você pode usar elementos fantásticos, mágicos ou sobrenaturais para criar uma cosmogonia e uma cosmologia que sejam diferentes das nossas, mas que façam sentido dentro da lógica do seu mundo.
Por exemplo, na cosmogonia grega, o universo surgiu do Caos, uma massa informe que continha todos os elementos primordiais. Do Caos nasceram Gaia (a Terra, lembra?), Urano (o Céu), Tártaro (o Abismo) e Eros (o Amor). Gaia gerou sozinha os Titãs, os Ciclopes e os Hecatônquiros, mas se uniu a Urano para gerar os Gigantes, as Erínias e as Ninfas. Urano temia o poder dos seus filhos e os aprisionou no ventre de Gaia, que se revoltou e pediu ajuda aos Titãs. Cronos, o mais jovem dos Titãs, castrou Urano com uma foice e libertou seus irmãos. Cronos se tornou o senhor do universo, mas foi destronado por seu filho Zeus, que liderou os deuses olímpicos na guerra contra os Titãs. Zeus dividiu o poder com seus irmãos Poseidon e Hades, que ficaram respectivamente com os domínios do mar e do submundo, enquanto ele ficou com o céu e a terra.
Na cosmologia grega, o universo é composto por quatro elementos básicos: fogo, água, terra e ar. Esses elementos são regidos por quatro qualidades: quente, frio, seco e úmido. A combinação dessas qualidades forma os temperamentos dos seres vivos: sanguíneo (quente e úmido), colérico (quente e seco), melancólico (frio e seco) e fleumático (frio e úmido). O universo também é influenciado pelos movimentos dos astros, que são considerados deuses ou manifestações dos deuses. O sol é identificado com Apolo, o deus da luz, da música e da profecia. A lua é identificada com Ártemis, a deusa da caça, da natureza e da virgindade. Os planetas são identificados com os deuses olímpicos: Mercúrio com Hermes, Vênus com Afrodite, Marte com Ares, Júpiter com Zeus e Saturno com Cronos.
Mitologia: a teogonia e a teologia
A teogonia é a narrativa que explica a origem, a genealogia e as relações dos deuses.
A teologia é o estudo da natureza, dos atributos e dos cultos dos deuses.
Desenvolver uma teogonia e uma teologia para o seu mundo é uma forma de dar personalidade, diversidade e complexidade à sua mitologia. Você pode criar deuses que sejam antropomórficos (com forma e comportamento humanos), zoomórficos (com forma e comportamento animais), teriomórficos (com forma e comportamento híbridos), ou abstratos (sem forma ou comportamento definidos). Você também pode criar deuses que sejam monoteístas (um só deus), politeístas (vários deuses), henoteístas (vários deuses, mas um principal), panteístas (absolutamente tudo e todos compõem um deus abrangente, e imanente, ou que o Universo, ou a natureza, e deus são idênticos), ou não-teístas (sem deus ou deuses, no nosso mundo, o Budismo e o Taoísmo são consideradas religiões não-teístas, o que não quer dizer que não existam, nessas religiões não-teístas, outros seres espirituais ou forças).
Por exemplo, na teogonia egípcia, os deuses surgiram do Oceano Primordial (Nun), que existia antes da criação do mundo. O primeiro deus a emergir foi Atum, que se auto-gerou a partir do Nun. Atum gerou Shu (o Ar) e Tefnut (a Umidade), que geraram Geb (a Terra) e Nut (o Céu), que geraram Osíris, Ísis, Seth e Néftis. Osíris se tornou o rei dos deuses e dos homens, mas foi assassinado por seu irmão Seth, que queria o trono. Ísis ressuscitou Osíris temporariamente e concebeu Hórus, que vingou seu pai e derrotou Seth. Hórus se tornou o novo rei dos deuses e dos homens, enquanto Osíris se tornou o senhor do submundo.
Na teologia egípcia, os deuses são teriomórficos, ou seja, têm forma híbrida entre humana e animal. Eles também são politeístas, pois há vários deuses com diferentes funções e domínios. Cada deus tem um nome, um símbolo, um animal sagrado, uma cidade de culto e uma família. Por exemplo, Anúbis é o deus dos mortos e da mumificação. Seu nome significa “aquele que está sobre sua montanha”. Seu símbolo é a bandeira com um chacal em cima. Seu animal sagrado é o chacal. Sua cidade de culto é Cinópolis. Sua família é composta por Néftis (sua mãe), Osíris (seu pai) e Kebechet (sua filha).
Não esqueça de descrever as instituições humanas (ou de suas raças que criaram essa mitologia) que lidam direta ou indiretamente com essas mitologias, como são afetadas por ela e como interagem com esses mitos. Basicamente, em um mundo que exista dentro de um Universo mais secular e realista, as interações são por fé, sem nenhuma garantia de retorno ou de que este retorno seja mera coincidência. Já em um Universo fantástico onde os deuses de fato existem, as interações são mais diretas e tais deuses ou espíritos podem reagir, e geralmente o fazem, mas nem sempre com as melhores intenções.
Refinando o lugar, subvertendo tropos
Uma das formas de tornar o seu mundo mais interessante e surpreendente é subverter os tropos, ou seja, as convenções e expectativas que os leitores têm sobre determinados elementos da história.
Segundo o site All The Tropes, tecnicamente, um tropo é “uma ferramenta narrativa reconhecível que pode ser usada como um atalho para transmitir significado, humor ou suspense ao público”. Em outras palavras, são elementos da história que se repetem com frequência em diferentes obras, criando uma familiaridade e uma previsibilidade para os leitores. Por exemplo, o vampiro que se apaixona por uma humana, o herói que descobre ser o escolhido para salvar o mundo, o vilão que revela ser o pai do protagonista, etc.
Os tropos não são necessariamente ruins ou clichês. Eles podem ser usados de forma eficaz para criar identificação, emoção e imersão na história, se forem colocados como atalhos para a compreensão do mundo por parte de quem lê. No entanto, os tropos também podem se tornar monótonos, previsíveis e estereotipados se usados sem criatividade ou originalidade. Por isso, muitas escritoras e escritores buscam subverter os tropos, ou seja, usar os elementos esperados de forma inesperada, invertendo, subvertendo ou desconstruindo as suas implicações e consequências.
A subversão de tropos pode ser feita em vários níveis da história, desde os personagens, o enredo, o tema até o próprio mundo fictício. Neste artigo, vamos nos concentrar na criação de mundos literários, que é o processo de construir um universo imaginário com qualidades coerentes como história, geografia, ecologia, mitologia e culturas.
Vejamos uns exemplos básicos:
- Se você está criando um mundo de fantasia medieval, você pode subverter o tropo do rei bondoso e sábio que governa um reino pacífico e justo. Talvez o seu rei seja um tirano cruel e corrupto que explora o seu povo e provoca guerras, fazendo isso por meio de manipulações sutis, de modo a parecer o tropo do rei bom, até surgir como sua antítese.
- Se você está criando um mundo de ficção científica, você pode subverter o tropo da tecnologia avançada que sempre trás benefícios para vida das pessoas e resolve os problemas da humanidade. Talvez a sua tecnologia pareça algo maravilhos e útil, mas na verdade seja uma fonte de opressão e controle que aliena as pessoas e cria novos conflitos, devido a um uso enviesado que os desenvolvedores dessa tecnologia induzem as pessoas a fazerem dela, o que acaba privilegiando a ascensão do nosso lado mais bruto (se alguém leu aqui “algoritmos de mídias sociais” não foi pura coincidência 😁).
É importante que você tenha em mente as expectativas dos leitores sobre determinados gêneros ou tipos de mundos e as questione, inverta ou subverta de forma criativa e coerente, ficando de olho no seguinte:
- Escolha um tropo que seja relevante para a história, a mitologia ou para todo o cenário de seu mundo, e que possa ser subvertido de forma lógica e interessante. Não subverta um tropo apenas por subverter, pois isso pode parecer forçado ou gratuito;
- Estabeleça as regras do seu universo ficcional e seja consistente com elas. Não subverta um tropo de forma que contradiga a lógica interna da seu mundo, não crie furos no enredo;
- Respeite os seus personagens e o seu público. Não subverta um tropo de forma que desrespeite ou ofenda os personagens que habitam seu mundo ou aqueles que vão ler as tramas de seu mundo, especialmente se envolver questões sensíveis como gênero, raça, sexualidade ou religião;
- Use a subversão de tropos com moderação e equilíbrio. Não subverta todos os tropos da trama cujo palco é o mundo que você criou, pois isso pode torná-la confusa ou incoerente. Também não subverta os tropos de forma tão sutil ou óbvia que o público não perceba ou não se importe, encontre o caminho do meio.
- Seja original e divertida(o). A subversão de tropos pode ser uma forma de mostrar a sua criatividade e o seu senso de humor, desde que seja feita com inteligência e bom gosto. Procure surpreender e entreter o seu público, sem perder a qualidade da sua escrita.
Tudo isso junto e misturado na Cultura
Segundo o site Significados, a cultura é compreendida como os comportamentos, tradições e conhecimentos de um determinado grupo social, incluindo a língua, as comidas típicas, as religiões, música local, artes, vestimenta, entre inúmeros outros aspectos. É uma rede de compartilhamento de símbolos, significados e valores de um grupo ou sociedade. E essa rede é formada artificialmente pelo ser humano, a partir de sua capacidade de pensamento abstrato e criação de ficções compartilhadas (como o dinheiro ou as fronteiras nacionais, ficções que se tornam “reais” por haver um número grande o suficiente de pessoas agindo como se elas fossem verdadeiras).
Da mesma forma, uma cultura fictícia é um conjunto de valores, crenças, costumes, hábitos, arte, língua e outros aspectos que definem um grupo de pessoas ou uma sociedade em um mundo fictício. Ela pode ser baseada em uma cultura real, existente ou extinta, ou ser totalmente inventada pelo autora ou autor.
Então pegue tudo o que você aprendeu a criar até para o seu mundo ficcional e unifique em um documento com o nome do seu mundo no título, e nos subtítulos vá descrevendo a cultura geral e as culturas específicas de cada povo independente (raça, clã, tribo, reino, nação, etc.) que compõe seu mundo conforme tudo sobre o que falamos até aqui.
Daí, então…
Aquele (seu) lugar existe!
Em companhia de outros mundos também incríveis. A literatura está repleta de exemplos de culturas fictícias que encantam leitoras e leitores com sua riqueza e originalidade. Algumas são:
- A Terra Média: o universo criado por J.R.R. Tolkien em obras como O Senhor dos Anéis e O Hobbit abriga diversas culturas fictícias, como os hobbits, os elfos, os anões, os orcs e os humanos. Cada uma dessas culturas tem sua própria história, geografia, religião, valores, língua e arte, que são explorados com detalhes pelo autor.
- Westeros: o continente fictício criado por George R.R. Martin em As Crônicas de Gelo e Fogo (adaptado para a série de TV Game of Thrones) também possui várias culturas fictícias, como os nortenhos, os dorneses, os dothraki e os selvagens. Essas culturas se diferenciam por suas origens, seus costumes, suas crenças, seus idiomas e suas formas de arte.
- Panem: a nação distópica criada por Suzanne Collins em Jogos Vorazes é dividida em 13 distritos que têm características distintas de acordo com sua função econômica e social. Cada distrito tem sua própria história, geografia, religião (ou falta dela), valores, língua (ou dialeto) e arte (ou propaganda).
Faça um resumo assim também, sobre o seu mundo, ponha na folha de rosto do documento que o descreve, e depois escreva histórias inesquecíveis nesse lugar extraordinário e exuberante, criação de sua pura imaginação! 😉
Por Wagner RMS.