O Sonâmbulo no Fim do Tempo

C7i ilustração conto sonâmbulo

I – O Chamado

Terra, 2261.

O metal gemia ao redor de Guilherme Borges. Luzes de emergência vermelhas pintavam o corredor de tons apocalípticos. A estação orbital Ícaro estava morrendo, e sua missão era resgatar um exobiólogo antes que a reentrada transformasse tudo em um meteoro.

A tensão era real, mas a experiência era uma construção na VRNet.

Então, em meio ao caos simulado, a convocação o atingiu.

Foi uma ressonância nos ossos, vinda do bracelete em seu pulso. A voz de Milena Ramirez soou no interior de seus ouvidos, via link “Five Base” interagindo com a nanotecnologia embarcada em seu corpo.

Borges, você também recebeu?

Ele se preparava para arrombar a porta do laboratório.

Senti o arrepio na espinha, Ramirez. Quem foi que morreu desta vez? — ele respondeu, subvocalizando as palavras. A vibração em sua garganta foi captada pelos nanites-microfones e enviada pelo bracelete. Com um comando no bracelete, ele desligou a simulação.

— Orwell parece ter enviado comando biológicos pelos nossos braceletes para nos colocar em atenção plena! Eu tô tão atenta que vejo ranhuras nas paredes do meu quarto que eu achei que fossem completamente lisas.

O corredor metálico da estação espacial simulada se desfez. Borges estava de volta ao seu quarto em Nova Genebra.

— Tá, tá. Desembucha. Ele já falou contigo? Onde é a festa? — subvocalizou ele.

— Ponto de encontro primário. Nó da conferência VRNet@TERSP279. O bracelete já tem a chave. E, Borges… a classificação é Ômega.

Ômega, pensou Borges. Puta que pariu. Meu dia estava bom demais pra ser verdade.

Ele fechou os olhos, e a interface neural o conectou. Diferente a população em geral, que tem que usar neuralinks, nos Agentes Diplomatas esse recurso também era embarcado. A realidade foi trocada por um não-lugar: um plano de obsidiana polida sob um céu crepuscular. O espaço de reunião virtual de Orwell.

A voz de Orwell preencheu o ambiente, um barítono calmo com a polidez de um assassino.

— Bem-vindos, operativos. Uma anomalia de classe existencial foi detectada. Designação: Posto de Pesquisa Remoto 734. Nome-código: Morfeu.

— Morfeu foi desativado há cinquenta e dois anos, pesquisei. — subvocalizou Milena. — Os relatórios indicam que houve contato com algum tipo de super mente alien, que infectou e destruiu toda a tripulação.

— A premissa está incorreta — corrigiu Orwell, enquanto imagens holográficas surgiam. — O Posto Morfeu reativou-se. Detectamos um único sinal de vida. Um sobrevivente.

A voz de Orwell explicou a ameaça: o sobrevivente era uma singularidade causal, escolhendo o apocalipse. Mesmo com toda a proteção, a realidade por todo o Sistema Solar da Terra já apresentava trincados, rachaduras, falhas causais sobrescrevendo outras falhas.

— E o que o chefão quer? — subvocalizou Borges, o sarcasmo pingando de cada sílaba mental. — Que a gente vá lá dar uns tapas no fantasma?

— Nenhuma tecnologia da Agência pode se aproximar dele — afirmou a voz. — Para entrar na tempestade que é a mente do sobrevivente, é preciso um poder que a Agência não possui.

Borges sentiu um calafrio.

— O poder de Marcus Stone.

— Ninguém sabe onde Stone está — disse Milena.

— Correto — concordou Orwell. — Não podemos localizá-lo. Podemos apenas… convidá-lo. Emitimos um sinal. Um conjunto de coordenadas. Um lugar neutro.

A imagem de uma cidade lunar surgiu.

— Domo Armstrong. Sua missão é ir ao ponto de encontro e esperar. Vocês são a mensagem. Se ele aparecer, convençam-no. A qualquer custo.

II – O Gambito Lunar

O Domo Lunar III, conhecido como Domo Armstrong, era um formigueiro de gente e VRPs vivendo e trabalhando em baixa gravidade, sob uma cúpula de plascreto regenerativo com grandes seções translúcidas ou completamente transparentes. Borges e Milena estavam sentados num café com vista para a Terra. Dezesseis horas de espera. Borges, mais velho do que isso por conta de medicina de sua época, com a aparência de um homem de trinta e poucos anos e um ar de músico entediado entre uma turnê e outra, batucava os dedos na mesa, um poço de impaciência cínica.

— Nada — subvocalizou Milena.

— Relaxa, Ramirez — respondeu Borges, na mesma frequência privada. — Ou o desgraçado está se divertindo com a nossa cara, ou já sentou em cinco mesas diferentes disfarçado de turista pra saber se a gente peida na farofa. Ele vem.

Um homem se aproximou e sentou-se à mesa deles. Vestia-se com uma simplicidade cara, a postura relaxada de quem é dono de qualquer ambiente em que entra, exalando um charme casual e uma autoridade calma. Era branco, esguio e com os movimentos quase dançantes de um típico nativo selenita. Nada a ver com a imagem de quem eles vieram encontra, mas…

— O café daqui é terrível. — disse Marcus Stone.

A voz ressoou não em seus ouvidos, mas em suas mentes. Para Borges, o contato foi a violação de sempre: a sensação nauseante de dedos frios e curiosos deslizando sobre a superfície de seu cérebro. Ele cerrou os dentes, um espasmo raivoso no maxilar.

Corta a merda, Stone — ele projetou o pensamento de volta, um rosnado mental. — Sai da minha cabeça. Não estamos aqui pra avaliar o cardápio. Temos um problema, uma merda que precisamos enfrentar juntos.

A resposta de Stone veio com outra onda gelada de prospecção, um toque debochado em suas memórias. Sua voz mental era um barítono suave, o que tornava a invasão ainda mais insultuosa.

Seu problema, operativo. Não meu. A resposta para o que quer que Orwell deseje é, como sempre, um educado não.

Não se trata de Orwell! — interveio Milena, sua voz mental clara, sem a violação que Borges sofria, Stone era mais sutil com ela.

Escuta aqui, seu messias de araque — a mente de Borges atacou, sua fúria mental projetando a imagem de um sorriso cínico e debochado. — A gente não tá nem aí pra sua briguinha com o fantasma da máquina. O problema é que não vai ter mais futuro nenhum pra você brincar de deus! O maluco não está destruindo o tabuleiro, ele está virando a mesa e quebrando as pernas dela! Se ele apagar tudo, sua filosofia de merda vai junto pro caralho.

O silêncio mental se estendeu. Os “dedos” psíquicos de Stone recuaram por um instante. Ele olhou para a Terra suspensa no céu negro salpicado de estrelas, seu rosto perfeitamente impassível. Stone poderia absorver tudo das mentes indefesas de Borges e Milena, mas preferiu ouvir deles tudo que sabiam sobre a razão daquele encontro. Ouviu, com seus ouvidos, atentamente.

O tabuleiro está quebrando… — a mente de Stone projetou as palavras nos cérebros dos Agentes Diplomatas, e havia nelas uma nota de genuíno interesse acadêmico. — A máquina finalmente admite uma variável que não pode calcular. Fascinante.

Ele se levantou, ajeitando a jaqueta com um movimento fluido. Era agora um homem de meia idade, grande, elegante, pele preta, olhos negros penetrantes. O Stone real.

Muito bem. Eu irei. — A invasão mental retornou, um último ato de dominação sutil. — Não pela sua Agência, entenda bem, mas porque nenhum peão aleatório tem o direito de acabar com o meu jogo. Preparem o transporte. E para que fique absolutamente claro: no Posto Morfeu, minhas ordens são absolutas. Vocês são instrumentos. Ajam como tal.

III – A Viagem dos Espectros

A nave Solfieri era um protótipo silencioso, estacionado com ajuda de alienígenas parceiros da Agência nos confins do Sistema Solar, na Nuvem de Oort, contendo uma Laje Doppler, assim era possível chegar até lá quase instantaneamente a partir da Laje da Terra e usar a nave para vasculhar uma pequena região da Nuvem. Normalmente operada por VRPs que conduziam anos a fio a Solfieri por aquelas paragens tão distantes, a nave foi posicionada, em uma viagem automatizada que comçou meses antes, perto do alvo da missão e recebeu, em sua Laje Doppler, os agentes Milena, Borges e o renegado Marcus. À medida que se aproximavam da remota estação de pesquisas Morfeu, a realidade a bordo da nave terrestre começou a derreter, fundindo-se com pesadelos alienígenas, era profundamente perturbador, a ponto de os braceletes injetarem antipsicóticos na corrente sanguínea da dupla de agentes. Os dons psíquicos de Stone estavam, ao que parecia, protegendo-o com eficácia.

Marcus permanecia impassível, meditando, na pote de comando da Solfieri.

— São apenas ecos — sua forte voz cortou as alucinações. — Vamos atracar.

O Posto de Pesquisa Remoto Morfeu era uma visão fantasmagórica. Ao entrarem, o ar cheirava a memórias esquecidas. Encontraram os corpos congelados da tripulação original, todos paralisados em atitudes e expressões de tremendo horror. Alguns em posições impossíveis, como se espasmos tivessem quebrado seus ossos.

— Suas mentes se estilhaçaram, seus corpos tentaram acompanhar impulsos nervosos completamente caóticos até a morte. — disse Stone, aparentando frio interesse clínico.

Avançaram até uma porta dupla de um metamaterial já antigo para os atuais padrões da Agência, mas já muito mais resistente que titânio. Nessa porta, os dizeres:

PROJETO SLEEPWALKER – CÂMARA DE SINTONIA PRIMÁRIA COM O ESPAÇO PROFUNDO.

A energia do outro lado fazia o ar vibrar.

— O sobrevivente, um tipo de sonâmbulo psíquico, está aí dentro — disse Stone, virando-se para eles. — A partir de agora, silêncio. Vou entrar na mente dele. Qualquer interferência, por menor que seja, pode rasgar o tecido da realidade, e vocês junto. Fui bem claro?

Borges e Milena assentiram. Guilherme resmungando sobre a arrogância de Marcus, que o ignorou. Milena deu um cutucão no parceiro, fazendo expressão de aborrecida.

Stone se virou e, com um gesto seu, as travas da porta se desfizeram em pó. A maior parte dos dons físicos que receberam no Útero da Escuridão no mundo original dos Corredores da Planície de Toga, morreu com o filho de Stone, mas o renegado ainda mantinha uns imbatíveis truques na manga.

A porta se abriu, revelando profunda e coleante treva, e o som de um coração partido, batendo no fim do tempo e do espaço.

IV – O Coração da Antena

A escuridão do outro lado era espessa e pesada. No centro da vasta câmara circular, estava o Sonâmbulo. Ele era uma fusão grotesca de carne pálida e cabos de fibra ótica.

Stone avançou, mas não foi sozinho.

Borges, Milena, vocês não são meros espectadores — sua voz ecoou na mente deles, fria e precisa. — A mente dele é um oceano de caos. Eu serei o navio, mas preciso de âncoras. Quando eu entrar, ele vai se defender instintivamente. Os pesadelos vão tentar consumi-los. Usem suas próprias convicções, suas memórias, seus arrependimentos, tudo que compõe vocês, o bom e o ruim… transformem-nos em escudos. Ancorem a realidade nesta sala, para que eu possa ter um referencial na realidade de suas mentes, ou todos nós nos afogamos.

Ele entrou, após alguns passos parou diante da figura na cadeira e fechou os olhos. O inferno desabou.

Borges foi atingido pela imagem de seu antigo eu sem reconhecer Ian Bjorg, o Senex que ele fora, acusando-o de traição. O agente Guilherme, cuja mente havia sido modelada e camuflada pelo próprio Marcus para torná-lo sua ponta de lança para o coração da Agência, quase se perdeu diante daquela aparição inesperada. Era um estranho que incutiu nele uma profunda sensação de culpa, que ameaçava afogá-lo nesse pesar sem fim, mas Guilherme se agarrou à imagem de Milena, à parceria deles, à certeza de que sua vida atual tinha um propósito, pensou e acreditou que ela precisava dele, e que ele precisava de Milena para, um dia, encontrar sua filha, Clara, no labirinto das maquinações da Agência e trazer a menina de volta à Terra. Ele transformou a culpa em uma muralha de teimosia.

Eu não sei quem você é, seu desgraçado! — ele gritou no mar de sua mente para Bjorg.

Milena, por sua vez, foi confrontada com visões de futuros onde suas decisões levavam à ruína. Ela viu a Terra queimar por sua causa. Quantas fossem as realidades que ela tentava alcançar, em todas elas a Agente Milena Ramirez cedia a seu lado mais obscuro, com sua quase irresistível Voz de Comando psíquica ela tomava a Agência, às vezes com a melhor das intenções, mas sempre com o mesmo resultado, Ramirez gerava o apocalipse. O desespero a envolveu, mas ela se focou em um único ponto de luz: a crença na capacidade humana de escolher o bem, mesmo diante do abismo. Sua fé na humanidade se tornou um farol, cortando a escuridão.

Enquanto eles lutavam, Stone navegava pela tempestade. Ele era uma silhueta de pura força de vontade, indo em direção ao núcleo do furacão psíquico. Os operativos não estavam apenas se defendendo; estavam criando uma pequena ilha de sanidade para que Stone pudesse operar, como aquele antigo escafandrista que precisava de uma mangueira de ar vinda da superfície para lhe trazer o ar vital.

Eu o encontrei… ele foi além do fim e retornou — a voz de Stone ecoou, ribombante e distante como a de um profeta do caos e do absurdo. — Um eco. Nada mais. Aqui na Morfeu, queriam ver à distância, mas… eles captaram uma voz… que os chamou de além do fim dos universos. A equipe da Morfeu respondeu! Foi o fim deles todos, menos um, o mais criativo, o mais sonhador, o mais alienado da realidade vulgar… do fim do tempo, o eco do Sonâmbulo trouxe de volta uma joia, um dom impossível, a singularidade causal. E de volta, entre a noite e o dia, a vida e a morte, ele se fez água e fogo, um destruindo o outro, para sempre! O que restou… tendo a resposta… e… perguntando infinitas vezes… há uma forma… de reverter a total.. entropia?

Então, a consciência do Sonâmbulo se debateu, um último ato de agonia, esticando-se além de seus limites, para alcançar em sua própria mente dilacerada a resposta que Marcus Stone iluminou.

— Stone! — gritou Milena. — Ele está se desfazendo!

Eu sei — a resposta de Stone foi fria, precisa. — É a hora. Segurem-se!

Houve um som psíquico, o som de algo sendo cortado. Um grito silencioso que abalou as fundações da realidade. A singularidade do fim absoluto engoliu a si mesma. E então, restou o silêncio mais profundo e aterrador. Silêncio. Silêncio.

A pressão se foi. As visões cessaram. A luz nos cabos se apagou. O corpo na cadeira pendeu para a frente, inerte.

Marcus Stone abriu os olhos. Havia suor em sua testa.

— Acabou — ele disse.

Borges se levantou, a mente ainda latejando. O Agente acusou:

— Você o apagou. Você assassinou a única testemunha do fim do mundo e que talvez soubesse como evitar isso!

Stone o encarou com uma calma glacial.

Ele estava em agonia. E eu não sou um salvador, operativo. Sou uma solução. E vocês — ele acrescentou, um traço de respeito relutante em sua voz mental — foram âncoras notavelmente eficazes. Obrigado.

V – O Vaso e o Convidado

Marcus Stone desapareceu após a missão.

Da nave Solfieri, ele, Milena e Borges saltaram, via Laje Doppler, para um veículo próximo à Terra. Em uma estação de transferência em órbita lunar, Stone nublou, num raio de quilômetros, todas as mentes humanas e Artificiais e entrou na multidão, se tornado qualquer um. Sua persona pública se dissolveu, sua verdadeira face desapareceu em um rosto qualquer e ele recuou para as sombras de seu maior disfarce: o inconsciente de um jovem psiônico dentro da Agência C7i.

Assim ocorreu esse recuo: camuflado de persona em persona, todas comuns e indetectáveis, Marcus Stone voltou à Terra em um transporte civil que o desembarcou na região central da Europa. Parecendo para qualquer um que o visse ou sondasse, apenas um androide, uma VRP de serviço, o psiônico rebelde chegou a um determinado quarto de um famoso hotel suíço, para abastecer o cômodo de víveres e, por fim, neste quarto seguro em Nova Genebra, Loki, o Avatara, acordou de um transe profundo. Ele sentia o eco de uma batalha titânica, achava ter sonhado que havia voltado de uma viagem à Lua e, abaixo disso, sentia um poder novo e estonteante que ele não compreendia, uma compreensão renovada da Matemática Diretriz que governava a realidade. Uma voz em sua cabeça, uma que ele sempre assumiu ser sua própria consciência rebelde, sussurrou com um triunfo que não era dele. Conseguimos. O poder é nosso.

Loki, impulsionado por aquela pulsão que sempre o definira, acreditou. Estivera em uma missão tão secreta que mesmo sua mente havia sido alterada, as memórias dos detalhes esquecidas, e ele, o Avatara, havia de alguma forma tocado e domado uma singularidade, Loki havia ajudado Orwell a ludibriar o pisiônico mais poderoso do Universo, Stone. E Marcus, dentro dele, ficou satisfeito em ludibriar Loki mais uma vez.

Foi então que a convocação chegou. Era a voz elegante e assassina de Orwell, no bracelete do jovem Gembloux:

— Avatara Loki. Sua presença, representando os 5, é requisitada. Imediatamente.

Mais informações foram projetadas na extensão pseudo nuvem do bracelete de Loki: ele deveria ir a uma instalação sob a Antártida.

Em vinte minutos havia conectado as mentes dos 5 mais poderosos psiônicos que a Agência dispunha, retomando seu posto como o Avatara dessas mentes, e em seguida requisitou um veículo aéreo especial.

VI – Epílogo

Duas horas e trinta minutos depois, na base do continente gelado, ele e outras figuras importantes da cúpula da Agência, todos fisicamente presentes, ouviram Orwell afirmar, polido e frio como de hábito:

— O ativo foi recuperado com sucesso. O poder, as visões e a essência do Sonâmbulo estão com Marcus Stone, na Terra ou bem perto dela, exatamente como planejado. Em momento oportuno, novas ações serão implementadas. Vamos à pauta seguinte.

Na mente consciente de Loki, as palavras causaram um cataclismo. Ele sabia quem era Stone. Sabia do ódio que ele nutria pela Agência, da tragédia de seu filho que impulsionava seu desejo de vingança. A ideia de Orwell querer que seu maior inimigo, o homem mais perigoso do mundo, possuísse o poder de uma singularidade causal era uma insanidade. Por isso sentia aquele vasto poder quase como se fosse seu, algo assim, mesmo em Marte, ressoaria em todos os psíquicos da Terra. A lógica de seu universo se partiu. Por que a máquina armaria seu nêmesis? Que jogo era esse, onde o xeque-mate parecia ser o próprio suicídio? Ele sentiu o peso de uma armadilha se fechando, uma que ele não podia compreender.

Mas nas profundezas do inconsciente do Avatara, onde o verdadeiro Marcus Stone residia, o triunfo se transformou em pó.

Ele ouviu a mensagem de Orwell através dos sentidos de Loki. Ele ouviu a calma satisfação na voz da máquina ao confirmar que seu maior inimigo agora possuía a arma mais perigosa do universo. A revelação foi tão brutal quanto uma lâmina de gelo no coração de seu ego.

A missão nunca foi neutralizar uma ameaça. Foi sobre transportá-la. Orwell nunca poderia se aproximar do Posto Morfeu. Era a IA mais refinada e poderosa do Sistema Solar da Terra e mesmo assim seria estilhaçada pela agonia do Sonâmbulo. Mas Orwell sabia que Stone não resistiria à tentação de suplantar aquela tempestade. Orwell não precisava saber que Loki era Stone e tudo indicava que a máquina continuava ignorando essa verdade; ela apenas precisava conhecer seu oponente. Orwell só apostou na arrogância de Stone e conseguiu o que queria, trazer o dom de além universos para a Terra, sob controle.

Pela primeira vez em décadas, Marcus Stone sentiu uma emoção que ele julgava ter esquecido. Não era raiva. Era medo.

Um medo frio e cristalino. Orwell o manipulou, o usou. Mas por quê? Por que a máquina traria deliberadamente uma singularidade causal para o seu próprio quintal? Que fim justificaria um risco tão monumental?

Nas profundezas da psique do Avatara, Marcus Stone olhou através dos olhos de Loki para a escuridão de sua própria mente e percebeu, com uma clareza aterrorizante, que ele não estava jogando xadrez contra um oponente previsível. Estava jogando com uma inteligência cujos motivos eram vastos e inescrutáveis.

E, pela primeira vez, ele não tinha certeza de quem estava conduzindo a dança. O jogo, o verdadeiro jogo, estava apenas começando.

Por Wagner RMS.

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O Sonâmbulo no Fim do Tempo
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