A diferença entre primária e primal. Sim, literalmente, a juventude é primária, pois vem primeiro, antes da maturidade. Mas também é primal, no sentido em que é o ponto de nossas vidas onde a maioria de nós vivencia mais radicalmente as atitudes extremas, músicas com sons tribais e eletrizantes, os esportes mais intensos e perigosos, as paixões mais voláteis, os excessos, e as farras doidas! Mas nada nesse impulso primitivo obriga os mais jovens a serem rasos, muito menos a parecerem com peças idênticas saídas de uma linha de montagem. Pelo contrário! Somos únicos, e ainda assim o que realmente importa é o que nos liga ao todo, que deve ser o amor. Segue resenha dupla e comparativa, desta vez, pois falo aqui tanto do filme quanto do livro, que mergulham na alma de jovens, mas explora suas relações não só entre si, mas com todos nós, com todo o mundo. Entre Livro e Filme Se Eu Ficar, sou escritor e “livrólatra”, então prefiro o livro, quase sempre, mas curti o filme também.
O filme — e o livro — questionam aquele que vê, e que lê, sobre o que é realmente importante na vida. E fala sobre o quão angustiantes são as escolhas que essa mesma vida nos trás, de repente. Como você pode perder, subitamente, tudo aquilo que mais ama, e ainda assim encontrar forças e seguir adiante? Ou será mais certo, apesar de tabus e falsos moralismos contra tal atitude, desistir e partir? Tudo isso do ponto de vista de Mia Hall (Chloë Grace Moretz), uma jovem violoncelista, uma moça como todas as outras moças, única!
Ambos, livro e filme, tratam esse contexto cada um a seu modo, do jeito que convém a cada mídia. Na história contada em texto, temos bem no início o acidente que é pivô de tudo mais. Bem perto do início Mia compreende que está perdendo sua família, e que precisa decidir se fica viva (daí o título do filme), ou se prefere morrer e não encarar uma vida sem tudo o que perdeu. Para fazer essa escolha Mia começa a vivenciar suas memórias sobre sua tão profundamente amada família, seu excepcional namorado, sua melhor amiga Kim Schein (Liana Liberato), e sua música, que é o sangue, com ritmo e melodia, que lhe corre nas veias.
No filme, onde não podemos ler os sentimentos da protagonista, e a história deve ser absorvida essencialmente por imagens, que são momentos das vidas retratadas, o diretor R. J. Cutler, seus produtores e roteiristas, optaram por nos ligar à Mia mais previamente, fazendo-nos primeiro viver com ela sua relação com os pais, simpaticíssimos rebeldes na juventude, que hoje a apoiam em sua vocação musical; vivenciamos também a ligação dela com o namorado, moço que Mia enxerga como inacreditavelmente especial, encantador e maduro para ela. Então somos confrontados com as novas possibilidades de carreira como musicista para ela, na conceituada Juilliard School, em Nova Iorque. Enfim, a versão cinematográfica nos faz primeiro compreender, exatamente, o que Mia tem a perder. Então, mais tarde, em um instante explosivo, ocorre o acidente que muda tudo! E aqui também a jovem tão comum em suas angústias e anseios, e tão única em suas sensibilidades e escolhas, precisa decidir se permanece viva ou se prefere não sofrer a dor cada vez mais sufocante, e mergulhar no esquecimento.
[Ei, spoilers a seguir! Nada muito grave, mas se ainda não viu o filme nem leu o livro, talvez queira parar por aqui.]
Algumas partes do texto original tiveram que ser suprimidas, por conta do tempo para se contar uma história ser mais sucinto em um filme, e ocorreram também adaptações, tais como, por exemplo, o tal ferrão de abelha, que é sugado, com a boca, do ferimento do inseto na mão de um personagem. No livro a autora mostra um rapaz dando uma suave alfinetada em sua namorada, quando põe Adam Wilde (Jamie Blackley), o namorado roqueiro de Mia, para revelar em um gracejo que o pai da moça arrancou com os próprios dentes o ferrão de uma abelha da mão dele, o que o fez se sentir estranhamente mais íntimo do pai da garota do que da própria Mia, com a qual não teve mais envolvimento que um beijo. No filme os roteiristas claramente identificaram ali uma oportunidade de realçar o personagem Adam, construído para ser um príncipe encantado moderno, jovem e especialmente maduro, mostrando aos espectadores que nada o envergonharia, e que ela enfrentará até mesmo uma situação constrangedora sem sequer pensar duas vezes, só para cuidar de sua amada.
Sou capaz de apostar que Adam, esse jovem vocalista de uma banda de rock com a postura de um homem mais vivido, é construído em cima dos anseios e sonhos românticos da adolescência da própria Gayle Forman, a autora do livro muito provavelmente criou em Adam o seu próprio “príncipe encantado”, de quando ela mesma era tão jovem quanto Mia.
No entanto, nem todas as adaptações foram as melhores possíveis, e o que mais senti falta na película foi da personalidade mais racional e forte de Kim, a melhor amiga de Mia. No livro Kim é retratada como possuidora de cachos escuros furiosos, símbolos metafóricos de uma personalidade contida mas intensa e objetiva, fazendo contraponto ao jeitinho mais emocional e introspectivo, quase vacilante, da protagonista. No filme Kim foi “simplificada”, seu cabelo alisado, e ela acabou ficando menos marcante, e acredito que isto foi feito mais uma vez por conta do modo narrativo visual, e do tempo mais curto para se contar a história assim, com imagens. Kim, no filme, se apresentada como está no livro, poderia rivalizar com Mia na atenção dos espectadores, e o filme precisava focar o drama da protagonista. Mas, ainda assim, senti falta daquela personagem como foi retratada no original, Kim ganhou, em texto, minha total simpatia.
Ainda assim, gostei do filme, na soma de história e imagens, ele cumpre seu objetivo, emociona, faz repensar o valor das coisas. Mostra que, quando se está, como um fantasma em potencial, vivendo sob a sombra da morte, nós não lembramos de quanto dinheiro acumulamos, de quantas vezes transamos levianamente, de bebedeiras ou farras insensatas, e muito menos do status que acumulamos com carreiras ou bens. No fim, nós lembramos apenas de quem sentimos que nos amou de verdade, e de quem nós amamos, lembramos apenas das melhores e mais adoráveis emoções que sentimos um dia, e de todas as boas emoções que cultivamos e poderíamos fazer florescer nos outros. E nada mais vai seguir conosco para fora desta vida, além disso, que lembramos. Neste sentido o filme foi muito bom, e eu concordo plenamente com Mia. A violoncelista, única e especial como cada pessoa sobre a face deste mundo, fez, enfim, sua escolha. Nós faremos as nossas, diariamente, a cada chance que temos de fazer valer a pena, ou de desistir de criar mais sofrimento.
Por Wagner RMS